Blog do Jorge Amorim

Indignação cívica, ou Cidadania destroçada *Prof. Dirlêi A Bonfim


Ao iniciar este ensaio, nesta véspera de 200 anos de “independência” da República Federativa do Brasil, nesta madrugada fria do Sertão da Ressaca, (Vitória da Conquista), me coloco aos questionamentos cotidianos… Mas, algo me remete para um processo de indignação cívica ou ainda um sentimento de cidadania destroçada… Então o que se entende por cidadania…? Segundo Aristóteles (século V, a. C)… "A expressão vem do latim civitas, que quer dizer cidade”.

Em outras épocas, cidadão era aquele que fazia parte da cidade, a (Polis/do grego Cidade/Cidadão/Cidadania), um ser dotado de direitos e deveres por nela habitar, claro, esse conceito extrapola os limites urbanos e pode ser compreendido no espaço rural, em todo espaço, em todo território

. Ao trazer, os conceitos e a teoria de formação do Estado, com os seus elementos representativos: 1.povo, 2.território, 3.governo, nos chamados estados democráticos de direito, o elemento governo, se subdivide em três poderes: executivo, legislativo e judiciário. A Cidadania: como uma forma consciente de manifestação, para além da questão relativa à definição normativa das possibilidades de participação nos desígnios de sociedade e sua organização no espectro do Estado, e não apenas as condições sócio-políticas em que se insere o tema cidadania. A Constituição da República, em princípio, vai definir, todos os direitos e deveres de cada cidadão, ou ainda, o que cabe a cada indivíduo, na sua multiplicidade das relações. Consagrada pela CF. de 1988, a liberdade de associação, manifestação e participação foi conquistada, as duras penas, após, um longo processo de lutas árduas, contra a ditadura, tortura, assassinatos, exílio, cassação de direitos…

Com a redemocratização do país. A Cidadania enquanto um direito inalienável, reconquistado é o que garante a existência da sociedade civil, composta por toda diversidade, instituições, ONGs, movimentos sociais que atuam nas diversas frentes, causas e pautas. Assim, uma sociedade civil livre, forte e independente é sinônimo de uma democracia estável e participativa, evidente, sempre em processo de construção e reconstrução, na medida, em que os ataques são sofridos constantemente. Uma coisa é fato, com todos os retrocessos e ataques recentes a nossa jovem Democracia, ela resiste bem…

A Democracia, como elemento necessário, ao pleno exercício da cidadania, nos conduz, a uma reflexão sobre os direitos sociais, a saber: Cidadania política -garantia de direitos à participação política (votar, ser votado, organização em sindicatos e movimentos sociais, etc. Cidadania civil – garantia de direitos relativos á liberdade (liberdade de expressão, de locomoção, de credo e outras liberdades individuais. Cidadania social – garantia de direitos relativos à dignidade da vida humana (respeito aos direitos humanos, direito ao trabalho, à alimentação, à moradia, ao lazer, à saúde, à educação. Todavia, a Cidadania, tem um preço a pagar… CONTINUA LENDO…


Aquele da eterna vigilância, contra os arroubos ditatoriais, impositivos, de grupos que se apresentam
como “detentores da verdade”, criminalizando toda forma de ativismo, econômico, educacional,
científico, social e político, banalizando o processo democrático e tentando transformar todas às
conquistas em meros lampejos de liberdade a serviço de propósitos de vida social, coletiva, plena, os
mais nobres e humanísticos… Segundo o Professor Jessé Souza (2017), “…Retirar dos indivíduos a
possibilidade de compreender a sociedade na sua integralidade, nas suas reais contradições e
conflitos, os quais são substituídos por falsas questões. Como a fragmentação do conhecimento,
que serve aos interesses escusos dos que estão ganhando na sociedade, já que evitam sua
mudança possível”. À ação da mudança, a capacidade moral e política de escolher caminhos alternativos
pela vontade de intervir no mundo, pressupõe “conhecimento do mundo” para não ser “escolha cega”. Ou
ainda, numa perspectiva da falta de uma compreensão mais apurada do Cidadão comum… “de verdade
seria combater a rapina, pela elite do dinheiro, da riqueza social e da capacidade de compra e de
poupança de todos nós para proveito dos oligopólios e atravessadores financeiros. O “imbecil
perfeito” é criado quando ele, o cidadão espoliado, passa a apoiar a venda subfaturada desses
recursos a agentes privados imaginando que assim evita a corrupção estatal.” Vai analisar ainda o
Professor… “Há uma falsa elite, hipócrita e gananciosa, que nunca admitiu, uma possível liberdade da
Senzala à ocupar os mesmos espaços e salões da Casa Grande”, o que torna as coisas ainda mais
difíceis, toda essa idolatria, aos arroubos do capital e da incredulidade nos processos de participação
coletiva, solidária, verdadeira, humana e cidadã.

Nessa mesma linha de raciocínio, vamos acompanhar o nosso pensador, o sociólogo brasileiro, o
Professor Florestan Fernandes (1987), na sua visão, “a democracia brasileira é apenas uma alegoria,
está longe de ser algo pleno, pois não chega à periferia, às camadas mais pobres da população. A
democracia efetiva seria aquela que levasse a todos, o direito à alimentação, à moradia, à saúde e à
educação, que vai do centro, até as periferias e isso infelizmente, não acontece, falta-nos muito mais
empenho, disciplina, boa vontade educação e ética”. Podemos voltar um pouco na história, até o (século VI
a.C.), para uma primeira ideia acerca daquilo que hoje chamamos de direitos humanos. Ciro, o Grande, após a
conquista da Babilônia, anunciou a libertação de todos os escravizados e o direito à escolha religiosa de todas as
pessoas, independente de sua origem. Muito do que conhecemos hoje por direitos humanos veio a partir da
Revolução Francesa e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em (1789). Vale dizer aqui que, em
(1791), em resposta a uma declaração que não contemplava as mulheres, Olympe de Gouges escreveu a
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Em retorno a sua atitude, foi guilhotinada.  Tanto na Revolução
Francesa e na sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fala-se sobre a liberdade e igualdade
dos seres humanos. Entretanto, a intenção destas declarações era mais propriamente de retirar o poder do
clero e da nobreza, em favor da burguesia; e não uma defesa dos pobres e menos favorecidos em relação aos
mais ricos e favorecidos. Avançando no pouco mais no tempo, depois da Segunda Guerra Mundial (1939/1945),
um comitê internacional da Organização das Nações Unidas, liderado por Eleonor Roosevelt, estabeleceu um
conjunto de diretrizes que pudesse ser aplicado a todas as pessoas, numa tentativa de garantir que ninguém
mais sofresse de forma tão terrível. Essas diretrizes estão descritas na Declaração Universal dos Direitos
Humanos. O documento foi aprovado em 10 de dezembro de 1948, por 48 países, dos 58 que eram membros da
ONU na época. O Brasil estava entre os países signatários. Quando vamos buscar elementos na nossa Carta
Magna, o que está compilado no preâmbulo da CF.1988, vamos encontrar: “Nós, representantes do povo
brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República
Federativa do Brasil. No Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no seu Art. 5º “Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição; II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III
– ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; IX – é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XIII – é
livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer; XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional; são assegurados, nos termos da lei, e vamos adiante, nos Direitos Sociais,
no seu Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição”. Ouso dizer nesse texto de ensaio, que a Constituição,
consagra a prioridade, pelos direitos e garantias ao cidadão e a cidadania, todavia, estão distantes de serem
verdadeiramente cumpridos, como determina a Lei e mais uma vez, nos remete à Indignação cívica e a
Cidadania destroçada… A “dimensão humana é a dimensão da arte, da criatividade, da capacidade de
abstração e da transformação. O cidadão, a mais alta autoridade da República”, não há Estado sem povo,
sem sociedade, não há poderes, portanto, todos os poderes devem está à disposição dele… O Cidadão, a
Sociedade, o Povo…” assim, se compreenderá melhor o pensamento de Aristóteles (século V, a. C). “Todo
poder emana do povo e em seu nome será exercido”. E vai arrematar mais uma vez, o nosso nobre autor da
obra: As veias abertas da América Latina… (Galeano, 1971), “Ao Cidadão, a ética, a ciência, a educação, ao
Cidadão a angústia de descobri o quanto há de lutar e ir em frente às transformações, à construção da
Cidadania…” “Nem sempre foi assim, custou a ser assim. Para chegar-se ao dia de hoje, longo foi o caminho,
ásperas as jornadas, ingentes os sacrifícios. … E ainda há muito a palmilhar, muito a aprender, muito a
corrigir…“A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o
que merece ser salvo”. “A liberdade de eleições livres, permite-nos que todos escolhamos os
representantes da sociedade”. Mas, quem disse que a Democracia não dá trabalho, claro que dá trabalho,
mas, vai continuar o seu papel de construção de uma sociedade mais justa. “…Vivemos dias tão
estranhos, em plena cultura da aparência: o estado vale mais do que o cidadão, o contrato de casamento
importa mais que o amor, o funeral mais que o morto, as roupas mais do que o corpo e a missa, ou os
cultos, mais do que Deus.”

**contribuição do Professor DsC. Dirlêi A Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental,
Professor de Sociologia da SEC/BA**E no Plano de Formação Continuada SEC/IAT/BA.**06/09/2022.**


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