Paulo Lotufo admite que desde o início da pandemia aumentou a precisão dos registros de óbito, mas ainda há muitas falhas
O epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), afirma que a subnotificação de mortes por covid-19 no país continua alta, apesar de os registros terem se tornados mais precisos nos 16 meses de pandemia no Brasil.
De qualquer forma, ele calcula que não há exagero em acrescentar 20% a mais de óbitos aos já 509.141 mortos pela covid-19 no país, segundo dados de quinta-feira (24). O resultado da conta sugerida é 610.969.
Segundo o professor da USP, a explicação para a subnotificação de mortes vem da lentidão nos diagnósticos por covid no Brasil. “Em 2020 era muito demorado, isso melhorou em 2021, mas continua falho esse procedimento.”
Lotufo conta que no ano passado a proporção de casos suspeitos representava 22% do total, e hoje ela está em 13%.
A estimativa do especialista vai contra as suspeitas do presidente Jair Bolsonaro, que levantou suspeitas sobre o real número de mortes por coronavírus no ano passado.
O chefe do executivo federal afirmou, em 7 de junho, que “em torno de 50% dos óbitos por covid no ano passado não foram por covid” e atribuiu os dados em tabela a um suposto relatório do TCU (Tribunal de Contas da União). Horas depois, a corte desmentiu a informação, negando a existência do documento.
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Na manhã seguinte, Bolsonaro se justificou. “O TCU está certo. Eu errei quando falei tabela, o certo é acórdão. O que acontece? Tem uma lei complementar do ano passado, que diz que a distribuição de verba do governo federal aos estados levava em conta alguns critérios. O mais importante era incidência de covid, e o próprio TCU dizia o quê? Que essa lei complementar poderia incentivar uma prática não desejável da supernotificação de covid para que aquele estado tenha mais recurso. A tabela quem fez foi eu, não foi o TCU. O TCU acertou em falar que a tabela não é deles”, admitiu.
Segundo a corte, as questões veiculadas no referido documento não encontram respaldo em nenhuma fiscalização do TCU. O arquivo sobre as mortes por covid-19 refere-se uma análise pessoal de um servidor do tribunal compartilhada para discussão e não consta de quaisquer processos oficiais do órgão.
O servidor que criou o relatório seria Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, que foi convocado para depor na CPI da Covid. O TCU investigará o auditor internamente e a corregedoria do órgão solicitou à Polícia Federal que abra um processo para apurar a conduta dele.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), afirma que a explosão no número de casos de síndrome respiratória aguda grave em 2020 escondeu boa parte dos mortos por covid que não tiveram tempo de fazer o teste.
“Como no Brasil a testagem em massa para a covid é precária, a pessoa acaba morrendo sem saber que tinha a doença. E se você pega os dados de óbitos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) vai ver que eles aumentaram bastante de 2019 para 2020, muitos deles sem uma causa específica.”
Boletim de março do Instituto Fiocruz mostrou que desde 2020 o total de óbitos registrados no Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe apontou 379.619 mortes por SRAG, das quais 59,9% (264.148) tinham resultado positivo para algum vírus respiratório. Outros 21,9% (83.182) deram negativo nos testes e 2,8% (10.463) ainda aguardam o laudo da testagem.
Entre os casos em que foi encontrado um, em 99,2% foram identificados o Sars-CoV2, responsável pela covid-19.
O coordenador do InfoGripe, da Fiocruz, Marcelo Gomes, questiona até mesmo os testes que não acharam o coronavírus nas vítimas.
“Como sabemos que os exames não são perfeitos, com problemas na própria logística de coleta de amostra (tempo desde os primeiros sintomas, qualidade da coleta, armazenamento, entre outros) e o processo de envio dessa amostra para laboratório afetando a capacidade de detecção, é natural supor que entre os negativos tenhamos muitos falsos negativos. Isto é, óbitos de SRAG que foram, sim, consequência da covid-19, mas nos quais o exame não conseguiu detectar o vírus”, disse.
“Da mesma forma, entre os que ainda não foram testados também podemos inferir que a grande maioria também está associada à covid-19, pois é quem está dominando os casos e óbitos de SRAG desde março de 2020”, esclareceu o pesquisador.
Gonzalo Vecina analisa que muitos jamais saberão que tiveram covid. “As pessoas estão sendo enterradas com diagnóstico de SRAG.”
Ao R7, o também epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade de Pelotas e que esteve na última quinta-feira na CPI da Covid, citou que a dificuldade em diagnosticar a doença na população acaba tendo um efeito cascata nas informações sobre casos e óbito