Dados municipais, número de internações por doenças respiratórias, registros em cartórios e superlotação de cemitérios mostram que mortes e casos graves de Covid-19 superam estatísticas oficiais
Cemitério em Manaus realiza enterros durante a noite para atender demanda. — Foto: Chico Batata/Divulgação
O Ministério da Saúde afirma que não há como saber exatamente quantas pessoas foram infectadas pelo novo coronavírus no país. Como não há testagem em massa, boa parte dos portadores assintomáticos ou com sintomas leves não chega a ser testada.
A prioridade nos testes é para os pacientes graves, aqueles que precisam ser hospitalizados.
As evidências indicam, no entanto, que até mesmo o número de mortes e casos graves de coronavírus é maior do que o confirmado oficialmente a cada dia pelo Ministério da Saúde e as secretarias estaduais. É o que mostram pelo menos quatro fontes de dados, confirmadas por especialistas.
Veja quais são as evidências de subnotificação de mortes e casos graves de Covid-19 até agora no Brasil:
- Número total de mortes em São Paulo em março de 2020 ficou 168% acima do registro oficial
- Internações por síndromes respiratórias aumentaram quase 10 vezes em 2020 no Brasil
- Cartórios registraram aumento de 1.035% nas mortes por síndrome respiratória no Brasil em março e abril de 2020
- Número diário de enterros em cemitérios públicos de Manaus aumentou 161% entre 9 e 25 de abril G1
Número total de mortes em São Paulo em março de 2020 ficou 168% acima do registro oficial
Uma análise inédita feita a partir de registros ainda não processados pelo sistema de saúde mostrou que as mortes provocadas pela pandemia de Covid-19 no município de São Paulo estavam na realidade 168% acima do número atribuído oficialmente ao novo coronavírus em março.
O levantamento mostrou que houve 743 mortes naturais a mais na capital, ou 12,5% acima da média registrada no mesmo mês entre 2015 e 2019. Dessas, apenas 277 foram atribuídas oficialmente ao novo coronavírus.
O cálculo foi feito pelo epidemiologista Paulo Lotufo, da USP, com base em registros de óbito ainda não processados pelo sistema, o que garantiu um dado mais atualizado.
As informações foram fornecidas pelo Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade (PRO-AIM), da Secretaria Municipal da Saúde. Este programa recebe todos os atestados de óbitos na cidade das funerárias, hospitais, casas de repouso ou cartórios e consegue fazer o recorte mais atualizado possíveis.
Excesso de mortalidade por causas naturais em São Paulo durante o primeiro trimestre — Foto: Editoria de Arte/G1
Em março, somando as 6.668 mortes por causas naturais às demais, a cidade registrou ao todo 7.007, ou 9% acima da média dos cinco anos anteriores (4.355 mortes registradas no sistema e 2.652 ainda não processadas).
Internações por síndromes respiratórias aumentaram quase 10 vezes em 2020 no Brasil
Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostrou um aumento expressivo nas internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) neste ano no Brasil em comparação com a média dos últimos dez anos.
O Infogripe, da Fiocruz, faz uma projeção desses números de SRAG, com base no número de registros e no tempo médio que cada estado demorar para entregar todos os dados. Com isso, tem uma projeção mais próxima da realidade.
Na contagem da Fiocruz até 4 de abril deste ano, o Brasil teve 33,5 mil internações por SRAG, muito acima da média desde 2010, de 3,9 mil casos. Mesmo em 2016, quando houve um surto de H1N1, foram registrados 10,4 mil casos no mesmo período do ano.
Os cientistas da Fiocruz listam três motivos que apontam o Sars-Cov-2 como o responsável pelo expressivo crescimento dos casos:
- aumento das internações fora da época
- idosos como os mais afetados
- percentual de testes negativos para outras gripes mais alto
Os dados oficiais ainda não refletem essa ligação, pela demora nos exames e no registro dos casos.
Número de internações por síndromes respiratórias é muito maior neste ano, o que indica uma subnotificação de casos de Covid-19 — Foto: Guilherme Gomes/G1
Cartórios registraram aumento de 1.035% nas mortes por síndrome respiratória no Brasil em março e abril de 2020
Cartórios registram aumento de 1.035% nas mortes por síndrome respiratória
Os cartórios de Registro Civil mostram que, desde o registro da primeira morte por Covid no país, houve um aumento de 1.035% no número de mortes por síndrome respiratória aguda grave (SRAG).
No período de 16 de março a 28 de abril, o número de mortes por SRAG passou de 149, em 2019, para 1692, em 2020.
Esses números são retirados das certidões de óbito registradas em todos os cartórios do país e compiladas pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) no Portal da Transparência do Registro Civil. Esses registros costumam ser feitos com mais rapidez do que os do Ministério de Saúde.
No Amazonas, que tem em Manaus um epicentro da doença, os registros de mortes por síndrome respiratória aguda grave foram de quatro para 183, aumento de 4.475% na comparação com mesmo período de 2019.
Em Pernambuco, o salto foi gigantesco: 7.200%, de sete para 511 mortes. No Rio, o crescimento foi de 2.500%, de nove para 232.
Registros de mortes por síndrome respiratória grave aumentaram durante pandemia
Número diário de enterros em cemitérios públicos de Manaus aumentou 161% entre 9 e 25 de abril
Em duas semanas, o número diário de sepultamentos nos cemitérios públicos da capital amazonense mais que dobrou, conforme dados divulgados pela Prefeitura de Manaus.
Em 9 de abril, 39 pessoas foram enterradas na cidade. No dia 25, foram 102, um crescimento de 161%.
No período, 1,5 mil pessoas foram sepultadas, segundo a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp), que gerencia os cemitérios e consolida os dados diariamente.
Pelos números oficiais, no entanto, apenas 300 morreram de Covid-19 no mesmo intervalo de tempo, o que mostra uma subnotificação dos dados.
Manaus passou a enterrar vítimas de Covid-19 em valas comuns, chamadas de trincheiras.
As empresas privadas da capital informaram que só possuem estoque de urnas funerárias para dez dias, se a demandar continua alta, segundo informou o Sindicato das Empresas Funerárias do Estado do Amazonas (Sefeam).
Manaus vive cenário de caos nos hospitais e nos cemitérios por causa do coronavírus