O FaceApp é um serviço russo que surgiu em 2017 e utiliza inteligência artificial para modificar o rosto das pessoas de forma divertida. Ele permite deixar o indivíduo com aparência envelhecida, rejuvenescida, experimentar diferentes cortes de cabelo etc.
Para Dennys Antonialli, diretor-presidente do Internet Lab, ONG que promove debates em direito e tecnologia, “o FaceApp tem uma política de privacidade bastante genérica, dando a possibilidade de coletar e usar não somente as fotos dos usuários, mas também outras informações sensíveis, como identificadores de seu aparelho celular, endereço de e-mail e dados de localização”.
Para Joana Varón, diretora executiva da Coding Rights, organização de defesa de direitos humanos na internet, a política de privacidade do FaceApp é muito permissiva. “Eles afirmam que sua informação pode ser compartilhada com serviços e negócios que são parte do mesmo grupo do FaceApp ou ainda com afiliados [sem dizer quem seriam os afiliados]. Ou seja: o uso vai muito além da empresa dona do aplicativo”, comenta.
A companhia afirma que os dados do usuário podem ser usados para oferecer “informação e conteúdo personalizado para você e para outros, incluindo anúncios e outras formas de marketing”, melhorar e testar a eficiência do serviço, reconhecer padrões demográficos, entre outros.
O serviço ainda afirma que “as informações coletadas podem ser guardadas e processadas nos Estados Unidos ou em qualquer outro país que o FaceApp e seus afiliados ou provedores de serviço tenham instalações”.
Também faltam políticas de segurança. Nos termos, a empresa diz que “não pode garantir a segurança das informações que você transmite ao FaceApp ou garantir que essas informações no serviço não possam ser acessadas, abertas, alteradas ou destruídas”.
A descrição genérica permite que a empresa use os dados coletados sem dar muitas pistas do que o usuário pode esperar. Não que a companhia esteja sozinha. “O Faceapp é só mais um dos inúmeros aplicativos que utilizamos e que operam a partir de um modelo de negócios que se baseia na coleta e tratamento de dados pessoais”, diz Antonialli. Por isso, é necessário tomar cuidados especiais.
“Os termos de uso e políticas de privacidade foram feitos para não serem lidos. Mas podemos ter mais cuidado escolhendo um pouco os aplicativos que usamos”, comenta Varón. Ela recomenda ler, pelo menos, os trechos que falam sobre o compartilhamento de dados e políticas de segurança.
Antonialli recomenda evitar fazer login por meio do Facebook. Se fizer, desabilite o compartilhamento das fotos do perfil e do endereço de e-mail. Após usar o aplicativo, confira as permissões que você concedeu a ele no sistema de seu celular e desative-as.
O FaceApp viola as leis brasileiras?
Varón acredita que o aplicativo viola o Marco Civil da Internet. “Você está cedendo sua imagem para um determinado fim: brincar com sua foto. Mas as políticas de privacidade do FaceApp deixam claro que não é isso. As imagens estão sendo arquivadas e processadas para diferentes fins, o que é ilegal no Brasil”, diz.
A Lei Geral da Proteção de dados, aprovada em 2018 e que só entrará em vigor em agosto de 2020, também entraria em conflito com o aplicativo. “A lei estabelece alguns princípios que devem nortear as atividades de coleta e tratamento de dados pessoais, como finalidade, adequação, necessidade e transparência, princípios esses que não são compatíveis com políticas tão amplas e genéricas como a do FaceApp. Isso também poderia afetar o consentimento do usuário, que precisa ser oferecido com base em finalidades específicas, e não genéricas.”, explica Antonialli. “De todo modo, o direito à privacidade está garantido pela Constituição Federal e práticas que o violem podem ser objeto de questionamento, inclusive judicial”, conclui.
Como o FaceApp pode fomentar políticas de vigilância
Pequenas empresas que surgem coletando dados podem ser muito mais perigosas do que as grandes. “Tem mais gente se preocupando com o Facebook do que esses pequenos aplicativos que viralizam”, diz Varón.
Embora práticas questionáveis de respeito à privacidade não sejam exclusividade do FaceApp, a coleta e utilização das fotos dos usuários gera preocupações adicionais. “Especialmente em um contexto em que as tecnologias de reconhecimento facial estão sendo largamente aprimoradas”, ressalta Antonialli.
A selfie que você tira pode ser usada principalmente para alimentar bancos de dados usados para treinar câmeras de reconhecimento facial.
Essa é uma tecnologia que está sendo criticada, tanto pelo estado de vigilância constante que cria quanto por, muitas vezes, funcionar de forma enviesada.
“No mundo todo nossas imagens estão sendo utilizadas para treinar essas bases de dados sem nosso consentimento. E estamos treinando tecnologias que podem nos discriminar, limitar acesso a direitos, políticas”, comenta Varón.
No MIT, a pesquisadora Joy Buolamwini, analisou os sistemas de reconhecimento facial da Microsoft, Facebook e IBM e notou que os sistemas funcionavam melhor como homens e brancos. Na análise de erro da Microsoft, por exemplo, percebeu que o sistema errava o gênero 93,6% das vezes quando os rostos eram negros.
Há dois anos, por exemplo, o FaceApp foi acusado de ter um filtro racista. Ao prometer deixar a pessoa mais sensual, ele clareava a pele do usuário.
Na última semana, no Rio de Janeiro, uma mulher foi conduzida à delegacia porque uma câmera de reconhecimento facial a confundiu com uma suspeita de crimes. O metrô de São Paulo abriu uma licitação para a instalação de um circuito de segurança com reconhecimento facial.
A tecnologia do reconhecimento facial está um tanto próxima de nós. E aplicativos que compartilham nossos rostos com terceiros podem acelerar seu desenvolvimento, mesmo que sem o consentimento consciente dos usuários.