A ofensiva contra a região conhecida como cracolândia, no centro São Paulo, teve seu dia mais tenso desde a megaoperação policial que expulsou usuários e traficantes do local, no último domingo. A prefeitura da capital paulista, comandada por João Doria (PSDB), planeja demolir edifícios e revitalizar a área, mas o trabalho das escavadeiras acabou deixando ao menos três pessoas feridas nesta terça-feira, no número 148 da alameda Dino Bueno. Uma pessoa segue hospitalizada. Desde a operação – classificada como um sucesso pelo prefeito, que chegou a declarar ter acabado de vez com a cracolândia – outros edifícios da Dino Bueno e da rua Helvétia tiveram suas entradas emparedadas ou lacradas. Comerciantes que trabalham no local tiveram que retirar seus pertences às pressas nesta terça.
Nos fundos do edifício que começou a ser demolido funciona uma pensão onde vivem, segundo contam seus vizinhos, umas 20 famílias. O prédio está unido a outras construções que, segundo a prefeitura, estavam condenadas. Elas foram esvaziadas e fechadas ainda no domingo. A escavadeira estava dando cabo dessas construções até que chegou à parede lateral do imóvel vizinho, onde ainda havia pessoas dentro. Uma de suas moradoras é Vilma Maria Santos da Silva, que estava entrando no edifício no momento da demolição. Viu as paredes ruírem e começou a gritar. A maioria saiu correndo para fora da edificação, mas ainda havia pessoas dormindo ou no banheiro que demoraram mais. “A gente saiu gritando para eles pararem, mas um policial falou que não era nada não, que era para continuar. Só pararam quando a imprensa viu o que estava acontecendo e começou a entrar“, narra Vilma.
“Eu estava no banheiro quando vi a parede caindo. Minha perna ficou ferida“, conta Wellington Sousa, de 35 anos. Sentado na calçada por volta das 19h com a canela direta enfaixada, relatou que “o prefeito prometeu que iam dar remédio e cuidar” de seu ferimento, mas reclamou que até aquele momento ainda não tinha sido atendido. A revolta entre os vizinhos era visível. Uma vez que o imóvel foi lacrado após começar a ser demolido, ninguém podia entrar. A maioria levava apenas a roupa do corpo.
“Aqui só tem família. Sou trabalhador, vendo água e quentinha na rua e pago 600 reais por mês de aluguel. Não tem viciado aqui não“, explica Marlon Roberto Vilela da Silva, de 32 anos, enquanto abre uma carteira para mostrar os últimos recibos de pagamento. Laís Soares, de 17 anos, estava indo pegar uma roupa no varal para logo sair e fazer um ultrassom quando foi puxada pelo marido, Felipe Santana, para fora do edifício. “Depois de domingo, os policiais não deixam mais ninguém ficar na rua parado. Estávamos ontem aqui na entrada quando um deles mandou a gente entrar, ameaçando arrebentar a nossa cara“, conta a menina, que está grávida de poucos meses. Seu marido acrescenta: “Para nós é mais perigoso agora do que quando estava a cracolândia. Porque aqui sempre houve respeito“.
El País
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