A proposta de novas eleições teria que partir da presidenta Dilma Rousseff, mas há resistência no PT
Setores que consideram ilegítimo um eventual governo Michel Temer tentarão mobilizar as ruas para conquistar apoio do Congresso
O possível impeachment da presidenta Dilma Rousseff por meio de um processo considerado ilegítimo por parte da população, dos movimentos sociais e de parlamentares pode unir esses setores em torno de uma proposta de eleições antecipadas, uma nova versão das “Diretas Já”.
Pesquisa Ibope divulgada na última semana mostrou que 62% dos entrevistados defendem novas eleições presidenciais e apenas 8% apontam um eventual governo do vice-presidente Michel Temer (PMDB) como a melhor saída para a crise.
Para antecipar o pleito, a presidenta Dilma teria de enviar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ao Congresso, mas ainda não há consenso sobre a medida, que enfrenta resistência da própria direção do PT e de movimentos sociais importantes para o partido e o governo, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Segundo Vagner Freitas, presidente da CUT, ao propor novas eleições, a presidenta estaria “oficializando o golpe”. “Não apoio a proposta neste momento e, particularmente, não vou apoiá-la em momento nenhum. Posso ser vencido por uma decisão da executiva da CUT, à qual me submeterei, mas, como pessoa e militante, sou contra. A presidenta teria que renunciar para termos uma nova eleição, e isso seria aceitar o golpe”, afirmou.
“Se houver alguma alteração na conjuntura mais adiante, nós poderemos analisar essa alteração. Com a conjuntura que nós temos hoje, a CUT é contra”, continuou Freitas.
Um grupo de senadores enviou a Dilma uma carta na qual pede que a petista encampe a ideia de novas eleições, seja por meio de uma PEC ou de uma consulta popular via plebiscito. Embora a maioria seja contrária ao impeachment e muitos defendam a tese do golpe, o grupo acredita que a perda do mandato é inevitável e que a antecipação do pleito é a melhor alternativa para unir o País.
Para o senador Jorge Viana (PT-AC), a proposta de novas eleições não enfraquece a denúncia do golpe. “Ao dizer que aceitamos discutir a redução do mandato da presidenta desde que o eleitor seja ouvido, respeitando a soberania do voto, certamente nós veríamos Michel Temer, a cúpula do PMDB e a base que os sustenta lutando contra essa proposta. Seria a prova de que eles não querem outra coisa a não ser chegar ao poder sem voto, através de um golpe”, afirmou Viana.
“Tenho que reconhecer que a gente cometeu erros políticos e administrativos, mas isso não é suficiente para o governo cair. Não houve crime, nem haverá de se provar que houve crime da presidenta. Mas isso é um jogo de cartas marcadas, aqui no Senado está se fazendo de conta que vai ter um julgamento. O Michel Temer está montando um novo governo, convidando ministro e até demitindo. É um desrespeito”, disse o petista. Carta Capital
Manifestação contra o vice-presidente Michel Temer em frente ao Congresso, em abril
Na carta enviada a Dilma, o grupo apresenta a PEC 20/2016, que sugere a realização de eleição para presidente e vice-presidente em outubro próximo, junto ao pleito municipal –o texto é assinado por 30 senadores de diversos partidos (PT, PMDB, PDT, PR, PP, PPS, PTB, PSB, PSD e Rede). Para ser aprovada, uma PEC depende de duas votações na Câmara e mais duas no Senado, com 3/5 de votos favoráveis em cada turno, nas duas Casas.
De acordo com a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), que também assina a proposta, a aprovação da PEC no Congresso exige ampla mobilização e apoio popular
“Claro que nós não conseguiremos passar essa proposta apenas com os votos dos 30 senadores. Na Câmara também não teríamos o quórum necessário. Então a gente precisa conquistar segmentos organizados da população e alcançar uma simpatia, uma compreensão, de parte do Congresso Nacional”, afirmou da Mata.
A senadora disse ainda que o mandato de Dilma tem “grande chance” de ser cassado e que, nesse cenário, a proposta de “Diretas” surge como uma alternativa para a presidenta, que teria uma bandeira em torno da qual debater com a sociedade no período de afastamento de 180 dias, que deve começar já na próxima semana, após votação pelo plenário do Senado.
“Eu acho que, quando a rua começar a adotar essa ideia, essa proposta pode se tornar uma saída real. O governo Temer não aparece para a população como um elemento de esperança, é muito diferente do governo Itamar naquele momento”, continuou da Mata.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), outro signatário da PEC, diz estar “convencido” de que haverá apoio popular em torno da proposta. “A mobilização que faremos e a compreensão de que o governo Temer não se sustenta levará o povo inevitavelmente às mobilizações de rua. A realização de novas eleições é, para o governo, a saída pela porta da frente da história. O governo não tem mais condições de se sustentar, e a alternativa única possível é essa”, afirmou Randolfe.
Além da resistência dos movimentos sociais e do PT, os senadores apontam como obstáculo as declarações públicas de Michel Temer de que a antecipação de eleições configura “golpe”.
“A reação contrária do vice e daquela turba da Câmara, que fez aquele espetáculo circense, mostra que é muito difícil qualquer caminho que possa assegurar um processo eleitoral antecipado”, disse o senador Paulo Paim (PT-RS). “Mas a população não quer Temer e não quer Eduardo Cunha, isso está claro. Se a população não quer, só tem um caminho. Não tem como o debate das ‘Diretas’ não ir para a rua”, encerrou Paim.