Blog do Jorge Amorim

Após gerar multidões na cidade, prefeito de Barra do Choça adquire carros para combater o vírus que ele mesmo espalha

“Além de não fiscalizar as demais campanhas que descumprem as normas de prevenção e controle do covid-19, é o próprio prefeito quem faz as maiores aglomerações que agravam o risco de contágio.”

Peço ao leitor paciência, porque o texto é extenso. Antes de abordar o assunto principal que o título traz, é necessário que façamos alguns apontamentos essenciais sobre Administração Pública.

De fato, Administração Pública não é um assunto fácil. Uma pessoa comum do povo muito raramente terá uma noção básica das disciplinas que regulamentam o exercício do mandato político pelo prefeito municipal e sua trupe de secretários, assessores, técnicos, auxiliares etc.

São essas dificuldades de fiscalizar e controlar a Administração Pública que permitem que gestores sigam cometendo desmandos sem que sejam responsabilizados por isso. Ao contrário, muitos desses ainda são premiados nas eleições seguintes com mais quatro anos para repetirem toda a bagunça mais uma vez.

Nas eleições, os candidatos apresentam propostas. Aquele que for eleito deverá transformar as propostas em projetos e estes, por sua vez, deverão ser executados.

É a realização ou a não realização dessas propostas que permitem à população um juízo de valor dos prefeitos que a governaram. Nessa sequência, é com um juízo de valor formado que o eleitor poderá avaliar os candidatos no decorrer das eleições.

Durante a administração do município pelo Poder Executivo, os projetos entram no orçamento público, onde estão previstas as suas receitas e despesas. Os gastos, pois, além de custearem as despesas correntes daquelas instituições e serviços sociais essenciais, como as escolas, os hospitais e as repartições públicas, custearão também as despesas dos projetos que o prefeito em exercício, quando candidato, apresentou à população e que, em tese, deveriam ter sido a razão de sua eleição.

São os resultados da utilização dos recursos públicos municipais na consecução dos objetivos previstos que dizem se tal prefeito fez um mandato bom ou ruim. No mandato do prefeito Adiodato Araújo, por exemplo, absolutamente nenhum projeto relevante nas principais pastas do município, a saber, Saúde e Educação, foi realizado, e os recursos a elas relacionados escoaram sem a devida prestação de contas.

Pois bem, tendo isso em mente, agora, sim, voltemos à razão desse texto.

A compra dos tais cinco carros populares sob a justificativa de serem necessários ao transporte das equipes de saúde no combate ao coronavírus servem bem como exemplo real de má gestão dos recursos públicos. Principalmente porque inverte completamente o maior fundamento da administração pública: a supremacia do interesse público sobre o particular.

Ao agir de modo irresponsável durante a campanha política e, ainda mais grave, induzir toda a população a agir de modo igual, o prefeito aumenta largamente o risco de contágio. Dessa forma, coloca o seu interesse pessoal acima de um dos mais importantes direitos da pessoa humana: o direito à saúde. https://observatoriopopular.jusbrasil.com.br

Sobre a compra dos carros

Segue abaixo as informações da licitação 839829, referente à compra dos referidos veículos.

Pregão Eletrônico – SRP N.º 049/2020 (22/10/2020) – Fornecimento de 05 veículos 0km para transportar equipes de saúde no controle e monitoramento da Covid-19, junto à Secretaria de Saúde do município de Barra do Choça.

No edital, lê-se:

A compra desses cinco automóveis no final deste mês (outubro), no valor de R$ 232.900,00, sob a justifica de serem eles necessários para transportar equipes de saúde no combate à pandemia, após o prefeito dar causa a enormes aglomerações na sua campanha política, sem qualquer controle do cumprimento das regras de combate ao coronavírus, é uma afronta à inteligência das pessoas.

Muito mais importante (e barato) seria, primeiramente, a proibição de aglomerações. Entende-se que algumas poucas atividades relacionadas à campanha eleitoral dos candidatos devam ser permitidas, desde que monitoradas e fiscalizadas. A saúde é direito de todos, sendo dever do estado reduzir o risco doenças. O que vemos em Barra do Choça é o estado, na figura da prefeitura, fazer exatamente o contrário, é aumentar esse risco.

Assim como tem ocorrido nos municípios que têm trabalhado para impedir o avanço da Covid-19, as atividades de campanha permitidas na cidade de Barra do Choça deveriam ser reuniões com limite máximo de 100 (cem) pessoas, a fiscalização do uso de máscaras e da distribuição de álcool gel para os participantes, carreatas com a obrigação das pessoas permanecerem dentro dos automóveis etc.

As recomendações do Tribunal Superior Eleitoral para as Eleições Municipais de 2020 são (confira matéria do Jornal Nexo aqui):

  • Em reuniões presenciais, calcular o número de pessoas presentes de acordo com a capacidade da sala, de modo a permitir distanciamento mínimo de 1 metro entre as pessoas;
  • Evitar promover eventos com grande número de pessoas;
  • Em eventos de campanha, utilizar espaços amplos e abertos para contato com outras pessoas e evitar aglomerações;
  • Não servir refeições ou realizar outros eventos que impeçam o uso de máscaras faciais;
  • Evitar a distribuição de material impresso de campanha.

A covid-19 matou mais de 158 mil pessoas no país até hoje, 29 de outubro. Ainda que esteja em desaceleração, a pandemia continua a registrar um número diário alto de vítimas e novos casos no país. Foram 510 mortes no país nas últimas 24 horas. Enquanto isso, em Barra do Choça o prefeito descumpre inteiramente o protocolo elaborado pelo TSE.

É obrigação do prefeito proibir situações que agravam o risco de contágio do covid-19. Sua obrigação é, além de não realizar carreatas e passeatas (essas verdadeiras micaretas que ele tem feito), convocar a Câmara de Vereadores e o Poder Judiciário de Barra do Choça para definirem os critérios e as regras que as campanhas eleitorais dos candidatos deverão seguir na cidade, obrigando-os a serem responsáveis e a respeitarem as regras de prevenção e controle do coronavírus.

A compra de carros para, supostamente, transportar equipes de saúde no combate ao vírus que a própria Prefeitura, na figura do prefeito e candidato Adiodato Aráujo, ajuda a espalhar, nessas condições, vê-se, não faz o menor sentido. Além disso, abre espaço para suspeitas da verdadeira razão da compra desses veículos, já que nada foi explicado à população nos portais virtuais da Prefeitura de Barra do Choça.

Certamente que essa quantia contribuiria muito mais com a prestação de serviços de saúde pública se investidos em outras necessidades, como a compra de itens hospitalares essenciais, ou uma ambulância, ou a reforma de uma unidade de saúde em situação precária, enfim, há muitos outros objetivos mais importantes a serem cumpridos.

Pergunta-se: afinal, o leitor também acredita e, por conseguinte, concorda com o prefeito de que são cinco automóveis novos que controlarão a pandemia na cidade? Enquanto o Poder Executivo não decreta, durante o período eleitoral, nenhuma medida de proibição de grandes aglomerações, não fiscaliza o uso de máscaras nem as regras de distanciamento nas reuniões de campanha política, o leitor crê que carros novos sejam mesmo a nossa grande arma contra a Covid-19?

É justo que, após tantos sacrifícios dos trabalhadores, dos comerciantes, dos estudantes, dos servidores públicos, enfim, de toda a cidade, o prefeito quebre todas as normas de combate e prevenção do coronavírus tão somente por interesse eleitoreiro?

A violação das normas sanitárias estaduais ou federais implica na aplicação de penalidades administrativas decorrentes da configuração de propaganda irregular sujeita, portanto, ao poder de polícia exercido pela Justiça Eleitoral.

De acordo com Brill de Góes, vice-procurador geral (link para a matéria aqui),

“os casos poderão ser enquadrados no artigo 268 do Código Penal, que diz ser crime infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. Se o crime ficar configurado, o responsável pode ser punido com detenção, de um mês a um ano, além de multa.”

Contudo, é sabido que em Barra do Choça nada acontecerá aos candidatos que colocam a população em risco de contágio. E assim segue o jogo político na cidade.

Mais dinheiro para mais gastos

Automóveis não são inúteis, claro. É normal que prefeituras adquirem automóveis para os mais diversos fins. Mas o principal ponto aqui é a falta de coerência nas decisões do Poder Executivo, tanto em relação ao orçamento público, quanto em relação à pandemia. A falta de planejamento é evidente.

Como dito anteriormente, um exemplo disso está na edição 2.686 – ano 12 do Diário Oficial do Município (DOEM) que dispõe sobre o Decreto de Crédito Orçamentário e Suplementar, de 24 de setembro de 2020.

A razão do crédito suplementar é que, devido à pandemia, alguns serviços e produtos que a Prefeitura comumente fornece foram anulados. Isso faz com que os recursos destinados ao custeio dessas despesas fiquem à disposição do prefeito para aplicá-los em outros serviços e produtos. Abaixo, um exemplo disso.

Na página 38 da referida edição do DOEM, na parte referente às Dotações Anuladas, tem-se a descrição das despesas não realizadas, totalizando R$ 576.000,00, valor esse que a Prefeitura deixou de gastar em razão da suspensão dos serviços de educação presencial.

Contudo, na parte da Dotação Suplementar, a Secretaria de Educação não aparece entre as beneficiadas do crédito. A Secretaria mais beneficiada é a de Infraestrutura e Serviços Públicos, com R$ 789.000,00 (pág. 35 do DOEM 2.686/ano 12).

Vejam vocês a descrição das despesas: R$ 333.000,00 referentes a material de consumo e R$ 285.000,00 de “outros serviços de terceiros”.

E assim segue até ter sido gasto literalmente o último centavo do crédito suplementar. O total do valor suplementado, R$ 1.476.754,00, é idêntico ao do total anulado. Centavo por centavo.

O resultado de uma administração que age sem preocupação com a regularidade orçamentária do município é desastroso. Na imagem abaixo, o quadro da prestação de contas de Barra do Choça de 1990 até 2018, mostram as contas de 2016, 2017 e 2018 rejeitadas. O comum é que as contas sejam aprovadas com ressalvas, isso quer dizer que a administração cumpriu com a maior parte das obrigações e que, em termos simples, não cometeu nenhuma falta gravíssima.

O quadro seguinte mostra a situação de Barra do Choça em relação aos outros 416 municípios da Bahia. De todos os 417 municípios, somente Barra do Choça e mais seis (Cairu, Dario Meira, Gongogi, Itapitanga, Lamarao e Marcionilio Souza) tiveram as contas rejeitadas consecutivamente nos anos de 2016, 2017 e 2018 (confira a lista completa aqui).

Concluindo…

Barra do Choça está entre os 1,6% dos municípios da Bahia que tiveram suas contas rejeitadas consecutivamente nos anos de 2016, 2017 e 2018.

E isso é grave. Muito grave. O leitor já pode imaginar que resultado terão os julgamentos das contas públicas deste ano e do ano passado.

A cidade de Barra do Choça vai de mal a pior. E situações como essas, frisa-se, de primeiro criar enormes aglomerações e espalhar um vírus gravíssimo por toda a cidade para depois comprar cinco carros novos sob a justificativa da necessidade de transportar as equipes durante o combate à pandemia que ajuda a alastrar, gastando recursos que poderiam ser muito úteis à cidade se fossem investidos em outros projetos, mostram em que buraco nós estamos.

Ademais, os temas aqui apresentados deveriam ser objeto constante de debate público, incentivado principalmente pela Câmara de Vereadores. Mas isso é assunto para outra oportunidade.

Agradecemos aos leitores que chegaram até aqui e pedimos que dêem sua opinião nos comentários.

Obrigado!

Post-scriptum:

Resumo sobre a nossa próxima análise

Em ano eleitoral, há uma série de vedações aos gastos públicos, dos quais nos valeremos para analisar no nosso próximo artigo os pregões de número 042, 043 e 045, todos também desse mês de outubro de 2020, referentes à compra dos mais diversos itens.

As vedações e recomendações dos órgãos de controle externo relativas aos gastos públicos em ano eleitoral servem para obrigar o prefeito a entregar a prefeitura em condições razoáveis de saúde fiscal e orçamentária. Mas, vê-se, não é isso o que acontece em Barra do Choça. Melhor dizendo, tem ocorrido exatamente o inverso.

É disso que tratará nossa nova análise, abordando os pregões de número 042, 043 e 045 e sua relação com o fim do mandato de Adiodato Araújo e sua campanha política em Barra do Choça.

Mais uma vez,

Obrigado a todos pela leitura.

 


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